quarta-feira, 3 de setembro de 2008

CÁLCULO DOS GASTOS COM A EDUCAÇÃO E AS GLOSAS FEITAS PELO TCM/BA. Descabimento quando forem classificados como Despesas de Exercícios Anteriores

*Nildo Lima Santos

I – DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS E CONSTITUCIONAIS
Para nos posicionarmos contra as decisões do TCM/Ba, na apuração dos valores gastos com a educação pelos municípios, primeiro é necessário que entendamos os dispositivos legais e, depois como se processam as despesas públicas.

O art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT/CF), com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 19/12/2006, estabelece que, até o 14º ano a partir de sua promulgação, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação. Entretanto, respeitadas algumas disposições, dentre elas, as definidas nos incisos I e XII a seguir transcritos:

“Art. 60 (....)
I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil;
..........................................................................
XII - proporção não inferior a 60% (sessenta por cento) de cada Fundo referido no inciso I do caput deste artigo será destinada ao pagamento dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício.

§ 1º (........).

O Art. 212 da Constituição Federal estabelece que: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida (abrangida) a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Observe que, foi acrescentada e grifada entre parênteses a palavra “abrangida”, pois, a rigor – apesar do prejuízo para a boa exegese gerada pela palavra “compreendida” – que no texto ao tempo que é inclusiva é também excludente e, portanto, inadequada para o dispositivo, que de fato não tem sido bem interpretado, a bem do querer maior dos constituintes. Querer este onde está implícito que, as receitas dos impostos a cargo de cada ente federado são computadas para efeitos da composição da base de recursos para o FUNDEB, à exceção dos impostos próprios dos municípios e, definidos no art. 156 da C.F. Pois que, a palavra “compreendida”, se, levada ao pé da letra, na exegese do dispositivo; ao tempo que inclui as receitas transferidas, exclui, destarte, os recursos de impostos de origem nos Estados, no Distrito Federal e, nos Municípios, para eles mesmos. (Sobre a palavra “compreendida”, que vem de compreender, quer dizer: “conter em si, entender, estar incluído, abranger”, se substituída pela sinônima “entendida” dá um outro sentido ao texto, porque, exclui as demais interpretações e, se acomoda melhor à partícula “a” que antecede a palavra “proveniente”. Portanto, resta saber qual o sentido que o legislador constituinte quis dar à expressão: “A União aplicará anualmente, nunca menos (...), e os Estados o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, vinte e cinco por cento, no mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, (...). Caso a intenção do legislador fosse a de incluir os tributos próprios para os Municípios, facilmente daria solução à sua redação no texto, apenas incluindo a expressão: “(...) compreendida, também, a proveniente de transferências (...)”. Destarte, pela análise sistemológica, percebe-se e entende-se que, o legislador constituinte quis abranger as transferências para os Estados, Distrito Federal e para os Municípios e, excepcionar estes últimos (Municípios) dos seus próprios recursos originados dos impostos arrecadados pelos mesmos, na forma disposta pela Constituição Federal. A esta conclusão chegamos quando tomamos para análise o texto original do § 2º do artigo 60 do ADCT à CF de 1988 e, o texto atual inciso II do artigo 60 do ADCT, a seguir transcrito:

“Art. 60 (...)

I – (...);

II - os Fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do art. 155; o inciso II do caput do art. 157; os incisos II, III e IV do caput do art. 158; e as alíneas a e b do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, e distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial, matriculados nas respectivas redes, nos respectivos âmbitos de atuação prioritária estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal;

III – (...).”

Portanto, está bastante claro de que, a composição das receitas para a apuração dos recursos e limites mínimos do FUNDEB e, antigo FUNDEF, não inclui as receitas com os tributos de competência dos Municípios (IPTU, ITIV, ISS, CIP e, demais taxas) dispostos no caput e dispositivos do artigo 156 da C.F. e, as receitas com o Imposto de Renda, definidas no inciso I do caput do artigo 158 da referida Carta; e, apenas, tão somente 20% dos recursos definidos nos incisos II, III e IV do caput de tal artigo.

II – DO PERCENTUAL DE APLICAÇÃO DA RECEITA
A Constituição Federal manda que os Municípios apliquem, não menos do que vinte e cinco por cento de suas receitas definidas na forma do inciso II do artigo 60 do ADCT, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Isto já não mais se tem dúvidas. Já o artigo 1º da Lei Federal nº 11.494, de 20 de junho de 2007, levanta novas dúvidas quanto aos tributos a serem considerados nos Municípios, mas, que devem de antemão ser extirpadas, pelo princípio da constitucionalidade, já que, lei não pode alterar disposição constitucional. A dúvida reside tão somente no inciso II de tal dispositivo que, assim dispõe: “II - pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) dos demais impostos e transferências.”

Para melhor compreensão, transcrevemos na íntegra o artigo 1º da Lei 11.494 e seus dispositivos:

“Art. 1o É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil, nos termos do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT.

Parágrafo único. A instituição dos Fundos previstos no caput deste artigo e a aplicação de seus recursos não isentam os Estados, o Distrito Federal e os Municípios da obrigatoriedade da aplicação na manutenção e no desenvolvimento do ensino, na forma prevista no art. 212 da Constituição Federal e no inciso VI do caput e parágrafo único do art. 10 e no inciso I do caput do art. 11 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de:

I - pelo menos 5% (cinco por cento) do montante dos impostos e transferências que compõem a cesta de recursos do Fundeb, a que se referem os incisos I a IX do caput e o § 1o do art. 3o desta Lei, de modo que os recursos previstos no art. 3o desta Lei somados aos referidos neste inciso garantam a aplicação do mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) desses impostos e transferências em favor da manutenção e desenvolvimento do ensino;

II - pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) dos demais impostos e transferências.” (Grifo nosso).

Comentamos: Lei Federal, mesmo sendo ela complementar, não tem o condão mágico de alterar disposição constitucional. Portanto, a base de receitas para a composição do antigo FUNDEF, hoje FUNDEB, não inclui os tributos cuja competência para sua arrecadação seja do próprio Município, nem o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem, definido no inciso I do artigo 158 da C.F. por não se tratar de recursos transferidos.

No melhor das hipóteses, existe de fato, controvérsias sobre o entendimento do dispositivo constitucional (Art. 212) que deverá ser dirimido com uma Emenda Constitucional ou com decisão do Supremo Tribunal Federal, desde que seja ele provocado com a argüição da inconstitucionalidade do inciso II do Parágrafo único do artigo 1º da Lei 11.494, de 20 de junho de 2007.


III – DA COMPETÊNCIA NO EXERCÍCIO FINANCEIRO ABRANGIDA PARA O CÁLCULO
O artigo 212 da Constituição Federal diz apenas que: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.

Observe que, a exigência é de que, seja a aplicação anual de valor na forma da Constituição Federal, que não seja abaixo de 25% de um conjunto de receitas para os entes públicos federados, cabendo tão somente aos Municípios a obrigação mínima de efetuar despesas no limite de 25% das receitas de transferências da União e dos Estados para estes e, que sejam receitas de impostos. Portanto, a comprovação terá que ser dentro de cada exercício. Entretanto, a Lei não entra em detalhes sobre a competência efetiva da realização das despesas. Apenas informa e, exige, quanto aos gastos anuais com a educação. Portanto, se entende, apesar de posicionamentos de alguns técnicos do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, de que as despesas efetivamente realizadas em um exercício e incluídas em restos a pagar para o exercício seguinte, serão efetivamente computadas, para a apuração do índice de cumprimento do limite constitucional de 25% para a Educação, para o exercício em que foram efetivamente liquidadas. Isto, posto, com a obediência ao Artigo 34 e Artigo 35, incisos I e II da Lei Federal 4.320/64. Os quais definem que, o exercício financeiro coincidirá com o ano civil e, que pertencem ao exercício financeiro: a) as receitas nele arrecadadas; e b) as despesas nele legalmente empenhadas.

Quanto às receitas arrecadadas, não existe problema. O problema existe no caso das despesas legalmente empenhadas. O que vem a ser despesas legalmente empenhadas para que as considerem despesas do exercício? “A nosso ver e, seguindo orientação da Lei Federal 4.320, a despesa legalmente empenhada é aquela que foi efetiva e, passou por todas suas fases de processamento, dentre elas a fase de liquidação e que, tão somente não foi paga. Portanto, tais despesas (relacionadas em restos a pagar) deverão ser consideradas para o cômputo do percentual do limite da Educação dentro do exercício em que foram empenhadas e devidamente liquidadas.” Destarte, os restos a pagar e, despesas classificadas como despesas de exercícios anteriores, deverão ser considerados no cômputo do limite das despesas com a Educação dentro do exercício em que foi liquidado o empenho, bem como, outras despesas, previstas pela Lei 4.320, que vierem a ser classificadas no elemento de despesa: “Despesas de Exercícios Anteriores”. Vez que, entende-se como empenho, na forma definida pelo artigo 58, da Lei Federal 4.320, como sendo "o ato amenado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição." Diferentemente do "empenho" é a "nota de empenho", vez que esta última está definida no artigo 61 da mesma norma financeira como sendo: "um documento que é extraído do empenho que indicará o nome do credor, a especificação e a importância da despesa, bem como a dedução desta do saldo da dotação própria." Portanto, um contrato ou uma nota fiscal e, até mesmo medição de serviços assinados pelo ordenador de despesa é um empenho, como o é, a adjudicação de licitação que precede a Nota de Empenho. É o que manda a norma legal e, é este entendimento que deverá ter o Tribunal de Contas dos Municípios. Sendo, destarte, incompreensível e ilegal não considerar tais despesas – com glosas – nas contas de cada exercício. Portanto, sendo tal procedimento, passível de ação junto à esfera judicial competente.


*Nildo Lima Santos. Bel. em Ciências Administrativas. Pós-Graduado em Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais. Consultor em Administração Pública.

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